terça-feira, 29 de abril de 2008

Alguns Significados dos Cânticos do Candomblé - Sangô

Ao me deparar com uma passagem do livro "A fogueira de Xangô ... o Orixá do fogo de José Flávio Pessoa de Barros"observei que os cânticos descritos no livro, com a devida tradução, seriam de muito proveito para o aprendizado de todos os que seguem o Candomblé e tem interesse em aprender sempre mais. Segue o trecho em destaque:

"As esteiras são estendidas e sobre elas os iniciados se ajoelham, busto curvado, pousando a cabeça no chão, em direção a Obaladô. Sua voz faz-se ouvir, então, salmodiando cada verso como um lamento, um canto em solo é ouvido e que se repetirá por três vezes. È um lento responsório, em que o oficiante canta primeiro, acompanhado em um segundo momento , pelos presentes.

Oba kawòó o Ó Rei, meus cumprimentos.
Oba kawòó o Ó Rei, meus cumprimentos.
O, o, Kabíyèsílè Sua majestade, o Rei mandou construir uma casa.
Oba ni kólé
Oba séré O Rei do xere, o Rei prometeu e traz boa sorte,
Oba njéje o dono do pilão.
Se´re aládó
Bongbose O ( wo ) bitiko Bamboxé abidikô, meus cumprimentos ( ao )
Osé Kawòó Oxé, sua majestade.
O, o, Kábíyèsilé Meus cumprimentos.

O som do Adjarim marca o início do paó, palmas compassadas que a anunciam uma nova reza para o orixá do fogo....... o cântico continua:

Ó níìka, ó Níìka Ele é cruel, ele é cruel(o trovão ).
Áwè jè atètú Eu jejuo para o punidor.
Badé, badé ìyá Tèmi Badé, badé, meu espírito sofre


Ó níìka, ó níìka árá ìn álàde o Ele é cruel, o trovão é cruel sim. O dono da coroa é cruel.
Ó níìka àwe jé atètu Ele é cruel, ele é cruel(o trovão )Eu jejuo para o punidor.
Aira ma sá re awo, ariwo, ale odó Airá(o trovão), verdadeiramente voa e cai ruidosamente.
Ma sè Forte como um pilão, como um tambor ( barulho ).
Aira ma sá re awo, ariwo, ale odó Airá(o trovão), verdadeiramente voa e cai ruidosamente.
Ma sè Forte como um pilão, como um tambor ( barulho ).
Yèyé, kèrè-kèrè lo ni joko ayagba O pássaro vagarosamente senta e chora para as grandes mães.
Ale odó ma sè Forte como um pilão, como um tambor ( barulho ).

A reza diz que o trovão é cruel, implorando a Badé... "ele é a voz estrepitosa e aterrorizante do Trovão, é a força que deflagra a carga irregular dos raios". Os nagôs dizem ser Badé é um vodum, isto é, de origemjêje, e que os jêjes do maranhão, dizem que é um orixá nagô e que, quando ele se apresenta na Casa –das –Minas, fala por sinais para não revelar os segredos dos nagôs.

Os pássaros lembram as feiticeiras que ameaçam os seres humanos, é necessário implorar as grandes mães senhora dos pássaros, para que não flagelem os homens. Airá também é mencionado no texto sagrado, recolhido entre os que se originam do axé de IÁ Nasô. Este orixá ocupa um lugar especial nesta comunidade, estando ligado a primeira no nominação...Axé Airá Intilé.

Novamente o Adjarim anuncia que o Rei Xangô continuará sendo louvado, e uma nova reza começa:

Oba ìrú l´òkò O Rei lançou uma pedra.
Oba ìrú l´òkò O Rei lançou uma pedra.
Ìyámasse kò wà Iyámasse cavou ao pé de uma grande
Ìrà oje árvore e encontrou.
Aganju ko má nje lekan Aganju vai brilhar, então , mais uma vez como trovão.
Árá l´okò láàyá Lançou uma pedra com força (coragem)
Tóbi òrìsà, O Grande Orixá do orum (terra dos ancestrais) vigia.
Oba só òrun O Rei dos trovões, está no pé
Árá oba oje de uma grande árvore ( pedra de raio )

A oração saúda o Rei dos trovões, como sendo Aganju, o Alafin de Oió, filho de Ajaká e sobrinho de Xangô. Iamassê considerada sua mãe é quem revela aos mortais, que a pedra de raio, símbolo do seu poder, é encontrada ao pé de uma grande árvore. O brilho dos raios e o barulho dos trovões lembram que Aganju vigia do orum , terra dos ancestrais, seus súditos fiéis.

O Adjarim marca um novo momento, Obaladô levanta-se e se dirige a casa de Xangô pousando no chão da mesma uma gamela cheia de Amalá , a comida predileta deste orixá.

Béè ni je a! pá bo Sim, comer(amalá)dentro(de uma gamela) com satisfação, de uma só vez,adorando.
Je bí o o ni a! pá bo Comer, nascer dele, dentro(de uma gamela)com satisfação, de uma só vez, adorando.
E ni pá léèrín àdá bá lài Cortado muitas vezes(o quiabo),sempre com cutelo, dentro da gamela
Ìmó wá mònà mòwé Procurar conhecimento,
Kó je nà mímò àsé certamente torna inteligente.
Kó je nà mímò àsé A comida (amalá) faz adquirir
Kó je nà mímò àsé e aumenta o conhecimento do Axé.

A reza indica que, ao se desfrutar da comida sagrada, descobre-se o axé, isto é, a força, que dá conhecimento e sabedoria aos que delas usufruem. Nos últimos acordes da reza, os ogans de Xangô pousam os xeres e acendem a fogueira. Varias vozes gritam..

Kawòó Kàbíyèsilè !!! Kawòó Kàbíyèsilè !!! = Meus cumprimentos à sua majestade !!!"


quarta-feira, 2 de abril de 2008

Roncó! Como vim parar aqui? (1ª Parte)

Meu corpo não se mexe. Escuto todos a minha volta, mas meu corpo não se mexe. O atabaque parou de tocar. Seu som ainda ecoava em minha cabeça, mas minha cabeça permanece imóvel encostada ao chão do Ilê de meu Babalorixá. Os irmãos que participaram do meu Bolonan festejam o momento. Continuo escutando, mas permaneço imóvel, enfim havia chegado o momento. Sinto que estou flutuando, mas na verdade sou carregado para dentro do Roncó. Este seria meu lar pelos próximos 21 dias. Lá minha fé seria testada por Ayrá, Orixá que tanto amo.

Acordo no interior do Roncó. E minhas lembranças retornam aos momentos de meus primeiros contatos com a religião. O candomblé é belíssimo e ao contrário do que parece na visão dos não praticantes nossa religião não é uma seita, não é um pacto, não é feitiçaria, não é um meio de conquistar o que se deseja de modo fácil, enfim, somos iniciados na religião para sermos sacerdotes, para lembrar-mos que sem a natureza não há vida, que a natureza esta representada pelos nossos Orixás, que sem o respeito pelos antepassados não ensinamos respeito a nossos filhos, netos e bisnetos, para aprendermos os fundamentos de conhecimentos a tempos esquecidos, não por todos, mas por grande parte da civilização organizada da forma como vemos hoje, onde o contato com as energias da natureza fica cada vez mais restrito a plantas em vasos ou a criação de nossos queridos mascotes dentro de nossos lares de concreto em nossas cidades.

Eu era criança e ficava curioso ao ver minha bisavó e minhas tias vestidas com roupas diferentes, dançando vigorosamente apesar da idade. Suas vozes ecoavam forte naquela sala branca de uma casa no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Essas imagens sempre me marcaram, mas não tinha idéia de que um dia eu estaria assim como elas seguido uma religião de origem afro-brasileira. Cheguei a adolescência, fiz catecismo, primeira comunhão, mas nunca segui o que estudei ali e após minha primeira comunhão se encerrar nunca mais voltei a igreja para assistir uma missa por vontade própria.



Mundo, vasto mundo... Lendas, Mitologia, Itans...

Lendas, Mitologia, Itans... dos Orixás. São muitas definições para descrever seus feitos. Dentre elas escolho Lendas dos Orixás e fico com as palavras do antropólogo Pierre Fatumbi Verger, em seu Livro "Lendas Africanas dos Orixás" como a mais simples e bela definição sobre o que representam essas Lendas. Disse Verger:

"Um babalaô me contou:

Antigamente, os Orixás eram homens. Homens que se tornaram Orixás por causa de seus poderes. Homens que se tornaram Orixás por causa de sua sabedoria. Eles eram respeitados por causa de sua força, eles eram venerados por causa de suas virtudes. Nós adoramos sua memória e os altos feitos que realizaram. Foi assim que estes homens tornaram-se Orixás. Os homens eram numerosos sobre a Terra. Antigamente, como hoje, muitos deles não eram valentes nem sábios. A memória destes não se perpetuou. Eles foram completamente esquecidos; não se tornaram Orixás. Em cada vila, um culto se estabeleceu sobre a lembrança de um ancestral de prestígio e lendas foram transmitidas de geração em geração para render-lhes homenagem".

Esse Blog é voltado aos Orixás e meus pensamentos em relação a eles.

Fábio Cardoso